identidade presbiteriana
por Cláudio Marra
Tudo é culto
A idéia de que tudo é culto é brandida por quem defende
um programa “descontraído”, “criativo”, ou por quem
simplesmente não se dá ao trabalho de planejar e preparar a
liturgia. E a turma do “tudo é culto” parece ter descoberto
um argumento teológico da maior profundidade: o que será
impróprio para o nosso momento de culto comunitário, se
“tudo é culto”?
Em Mateus 4.10, quando Jesus cita a limitação da lei
divina quanto ao objeto da adoração, ele emprega as expressões
adorar e dar culto. A primeira, proskyneo, tem o
sentido de reverência, de prostrar-se diante da deidade. A
segunda, latreuo, tem o sentido de adoração. Outra palavra
usada para culto é glorificação, relacionada originalmente
com valorização. Adorar a Deus é reconhecer o seu valor. O
salmo 24 encerra com a afirmação de que o Senhor dos
exércitos é o rei da Glória. E o salmo 29 nos chama a tributar
ao Senhor a glória devida ao seu nome (v.1). Isso é reconhecimento
do valor, é honrar, é adoração.
Aí está a porta, entendem alguns, para o “tudo é culto”.
Devemos fazer tudo para a glória de Deus (1Co 10.31).
Para isso fomos criados (Is 43.7). Então adoremos a Deus
comendo ou bebendo, trabalhando ou no lazer. Tudo é santo
ao Senhor, como profetizou Zacarias com respeito ao
Reino de Deus (Zc 14.20,21).
O Dia do Senhor anunciado pelos profetas já se iniciou
com Jesus (Mt 12.28). Mesmo assim, sob orientação apostólica,
a igreja continuou a reunir-se para a adoração comunitária
em dia e local combinados. Vindos todos de um dia-a-dia
tomado por atividades realizadas para a glória de Deus, os
crentes ainda assim se reuniam para o estudo das Escrituras,
para comer a Ceia do Senhor e para as orações. Ao disciplinar
o programa de culto em Corinto Paulo menciona partes
do culto relacionadas com adoração, louvor e ensino comunitário
(1Co 14.26-29). O que tiver caráter e interesse apenas
pessoal deve ficar de fora (v.28). “Tudo é culto,” mas quando
a igreja se reúne para adoração concentra-se nesses elementos:
as orações, os cânticos, a leitura e o ensino da Escritura.
A teologia do “Tudo é culto” mudou o que se vê na Escritura
e na prática do povo de Deus desde os tempos antigos.
“Tudo é culto”, então podemos intercalar duas orações com
o aviso de que o seu Pedrinho retornou de merecidas férias.
Ah, é claro, damos um toque litúrgico acrescentando o indefectível
“Amém, irmãos”. Os que estiverem próximos poderão
abraçar o seu Pedrinho. Se desejar, aproveite para co-
mentar que ele ficou melhor sem aquela barba. Ainda não
conseguimos inventar o culto sem avisos. Eu sei, os tipos móveis
já foram inventados um dia desses, mas nada como terminar
o sermão e ouvir que o pessoal do passeio da mocidade vai se
encontrar sábado às seis em frente à igreja. “Tudo é culto.”
“Tudo é culto,” então incluímos no programa cânticos
que exaltam a pessoa humana, em vez do Criador. Insistimos
que “você tem valor” (Abrace o seu irmão, diga que o
ama em nome de Jesus, diga que ele tem valor). Exaltar o
ser humano e massagear o ego de cada pessoa também faz
parte do “Tudo é culto”.
O pessoal da música pode muito bem afinar os instrumentos
depois que o hino ou cântico foi anunciado. É claro
que daria para fazer isso antes, mas afinação de instrumentos
também é culto. O coral não começa sem antes o regente
combinar uns últimos detalhes com a pianista ou com o
próprio coral. Afinal, ensaio também é culto. Pequenos detalhes
ganham conotação litúrgica. Todos os domingos o
pregador prega, mas trazer um copo de água para o púlpito
também é culto, por isso os diáconos preferem fazer isso
depois que o culto começa.
Inventamos algo impensável nos tempos apostólicos: um
programa de culto sem o ensino da Palavra de Deus. Colocamos
no lugar a cantata do coral ou “apresentação” de
uma banda. Um show. Não é à toa que alguns batem palmas
no fim. “Tudo é culto.”
O “Tudo é culto” está, na verdade, acabando com o culto,
com a idéia de prostrar-se diante da deidade (proskyneo).
Ou resulta de não reconhecermos a majestade de Deus. Não
precisamos de programas conservadores ou contemporâneos.
Precisamos de temor de Deus. Convém voltar ao modelo
do Novo Testamento e nos reunirmos para adorar a Deus
com orações, cânticos, leituras bíblicas e para ouvir o ensino
da Palavra de Deus. Tudo para a glória de Deus.
Extraído da 3ª edição da revista S e r v o s O r d e n a d o s - out-dez/04
www.executivaipb.com.br/revista/revista.asp
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